terça-feira, 26 de março de 2013

Novo. Seja bem-vindo! Parte Final




Ansiedade. Nervosismo. Medo e constantes palpitações no peito, o relógio parecia estar parado, era torturante o tempo se arrastar em uma lentidão quase descrente. Suas mãos gélidas transpiravam com facilidade, ela limpava constantemente o suor em seu jeans surrado. Rebeca esperava no shopping perto da loja que Debora trabalhava, tinha faltado aula, o medo de atrasar ou não chegar a tempo levou a preferir um livro na cara e fones de ouvido no banco mais esquecido do grande império de lojas.
Finalmente chegara a hora de ela ir até Debora. Ela não entendia o porquê desse desespero todo, o porquê dessa pressa, ela precisava saber o que estava acontecendo.
Ela se aproxima da loja, e ao entrar Debora estava de costas e não percebeu sua presença, aquela garota frágil, miúda e perfeita. Com a pele alva e cabelos cor de mel que caiam em ondas perfeitas como um mar contido por leves brisas.
-Oi. –Rebeca balbucia tímida.
-Oi linda. – Debora pronuncia exultante e graciosa.
Linda. Estranho, ela sempre se achou um desastre em vida, mas perto dela, parecia que o melhor da sua alma vinha à tona.
-Estava fechando meu horário, vou pegar meu casaco.
-Tudo bem. Eu espero.
Enquanto Debora se retirava, Rebeca tinha um conflito interno violento e desastroso, seus poros dilataram a tal ponto que pareciam bicas de transpiração, passar a mão na sua calça estava mais constante, seu peito arfava, e o seu pulsar aumentava.
-Prontinho. – Debora volta vestida em seu casaco xadrez.
-Então vamos!
-E então como foi o dia? – Debora pergunta quebrando o gelo.
-Ah. Nada de muito surpreendente. E o seu?
Falar de sua ansiedade extrema e de sua neura de olhar para o relógio a cada cinco minutos não era uma boa ideia.
-A loja hoje foi tranquila, estava para dormir encostada na parede.
Um sorriso lindo escapa de seus pequenos lábios, Rebeca desvia o olhar da boca dela.
-Você quer mesmo comer no restaurante? – Debora para de repente e olha sugestiva para Rebeca.
-Por mim tanto faz, tem algo em mente?
Debora balança a cabeça positivamente, morde os lábios com um jeito sapeca, segura suas mãos e a conduz para outro lugar. Depois de quinze minutos de passeio, falatórios e risos, Rebeca parecia diferente. Não, era a mesma, só estava tirando tudo que esteve ali guardado por tanto tempo, e isso era ótimo, nunca se sentiu tão bem.
-Dois cachorros quentes. Pode caprichar na mostarda. – Debora pediu o almoço de ambas em uma barraca no parque perto de seu trabalho, ambas sentaram embaixo de uma frondosa árvore e começaram a mastigar o delicioso quitute.
-Nossa! Quanto tempo eu não fazia isso. – Debora sorri satisfeita, estica suas pernas e olha para as árvores balançando. Rebeca apenas a observa, seus traços delicados e graciosos pareciam um desenho perfeito, era como se ela precisasse protegê-la, estar sempre por perto para garantir que aquele sorriso estivesse ali, sempre.
-Por que você quis vir aqui? – Rebeca quebra o gelo.
-Ah, não sei. Só queria algo diferente.
-Eu sempre fugi do diferente, mas em um dia tudo que eu pensava de concreto, se desmanchou e eu me sinto mais viva do que nunca. Obrigada.
-Não precisa agradecer, acho que temos que aproveitara oportunidade de viver todos os dias da melhor maneira possível e é isso que eu tento fazer.
Debora retira os olhos das folhas que balançavam com o vento e sorri para Rebeca. E com um gesto, ela estava desarmada.
Ela nunca tinha se sentido assim, aqueles olhos pareciam seu lar, o lar que ela sempre procurou e achou que nunca encontraria. Como que isso poderia acontecer? Era normal? Normal, nunca foi um adjetivo que ela poderia se enquadrar, mas o normal nunca a atraiu e isso a felicitava. Os conflitos passavam em questões de segundos, enquanto seu coração palpitava forte e suas mãos suavam ainda mais.
Debora estava distraída demais com as pessoas passando, com a paisagem ao redor que nem percebeu a tortura de Rebeca. Debora se inclina para ela, tira os grampos do cabelo de Rebeca, e seus cabelos pretos caem sobre sua face, retira seus óculos e olha para seus olhos.
-Você é tão linda. Por que se esconde tanto?
-Por que às vezes ser invisível é mais fácil. Sem incômodos, sem cobranças desnecessárias da sociedade.
-Entendo. Mas se esconder não é um caminho tão fácil como você diz às vezes ser notada também é bom, deixar que o mundo a veja, e que você veja o mundo. Quantas coisas você já perdeu olhando para o chão enquanto poderia olhar para frente, quantos sorrisos deixaram de ser direcionados a você pela máscara a qual você mesma colocou?
Rebeca se cala, e abaixa seus olhos, ela nunca tinha pensado por esse ângulo. Debora levanta sua cabeça levemente com a ponta dos seus dedos.
-É assim que você deve encarar o mundo. Não tenha medo dele, e ele terá medo de você. Medo da mulher ousada e decidida que vai encarar. Você é linda, não precisa se esconder.
Rebeca olha para Debora, e mergulha naqueles olhos dançantes, nunca ninguém tinha tocado tão fundo de sua alma.
-Você é mais.
Ela se aproxima lentamente encarando-a, segura delicadamente por trás da nuca de Debora e toca seus lábios junto ao dela, os movimentos fluem e se comportam perfeitamente, seu hálito quente e doce desperta novas sensações, desperta o êxito. O beijo delicado se torna intenso, quente e perfeito.
Elas se encaram um pouco assustadas, nervosas e desconcertadas. Debora olha para baixo sem saber o que falar, mas nada precisa ser dito, não tinha o que ser dito.
-Desculpas. – Rebeca balbucia envergonhada. Ela pedia desculpas como forma de educação, mas não se arrependeu nem um pouco do que havia feito.
-Tudo bem, é que eu nunca tinha feito isso. Na verdade, é errado, certo?
-Se sentir viva, feliz e completa for errado. Então esse beijo foi o pior erro do mundo. Erro esse que repetiria quantas vezes fosse necessário.
Debora sorri.
-Você é muito boba. Eu não sei o quer falar, eu nunca fiz isso, não é certo, eu...
Rebeca a interrompe e a beija novamente, aquele toque era único, a completava de uma maneira inexplicável. O novo era bem vindo, o novo a fazia bem, ainda que esse novo fosse o diferente, o pecado visto pela metade da sociedade, mas naquele dia ela aprendera que a felicidade dela era a prioridade, durante muito tempo ela deixou que o medo a privasse de viver. Até o momento que seu lar apareceu, aqueles braços miúdos, graciosos e quentes. Os quais ela não queria deixar. Nunca mais.

Juliana Santiago

segunda-feira, 18 de março de 2013

Novo. Seja bem-vindo! - Parte I





A rotina era a mesma, era simples e rápida de ser seguida. Acordava, olhava no espelho os cabelos desgrenhados, a cara de sono, escovava os dentes passava três minutos para ter coragem de entrar debaixo daquela água gelada (era o jeito mais torturante e eficiente de acordar), penteava os cabelos em um coque simples, procurava a roupa mais confortável, quase sempre usava as mesmas, tomava um café expresso no caminho para o metro, tirava seu livro, colocava os fones do ouvido e pronto, o mundo inteiro parava, era só ela. Ela nunca foi de gostar de multidões, era medrosa, tinha muitos desejos reprimidos, sempre achava-se inferior e por isso nem tentava novos caminhos, novas atitudes, a rotina era mais fácil, o novo assustava.
Alguém senta ao seu lado, era bonita, tinha aquele cheirinho de shampoo que ela adorava, se escondeu ainda mais por detrás dos seus óculos, se possível tamparia todo seu rosto. 
-Sabe informar o horário? - uma voz melódica e agradável ressurgiu ao seu lado.
Sem fazer movimentos bruscos, ela tira o celular de dentro do bolso e visualiza o pedido.
-São 07:20.
-Obrigada! - ela estende um sorriso satisfatório.
"Que sorriso perfeito", ela pensa consigo mesma.
Um roteiro passa em sua mente de como conhece-la, ela precisava, mas era muito covarde para tentar algo diferente.
O metro para a moça levanta, a parada de Rebeca seria na próxima, mas e se o novo fosse bom? Ela levanta e sem pensar desce junto com aquela garota, com passos lentos, errantes e suaves. Ela parecia atrasada por isso não percebeu sua admiradora, seguindo-a.
Entra em uma loja de roupas, parecia ser seu trabalho, Rebeca observa de longe, analisa e pensa se estava agindo correto, mas dessa vez era diferente. Mesmo com medo ela decidiu arriscar. Entra na porta da loja e finge estar vendo umas roupas, bonitas no cabide mas que no seu corpo, deduzia ela, seria um estrago.
Depois de um certo tempo a garota a reconhece e se dirige a ela.
-Oi. 
-Oi. -Rebeca pronuncia balbuciando e com as mãos suando.
-Você não é a garota do metrô?
-Sim, sou eu.
-Esta atrás de roupas?
-Sim.
-Deixe-me ajuda-lá.
A moça foi procurando peças bonitas e coloridas, o extremo oposto do cinza apagado que  costumava vestir.
-Toma, experimenta, vão ficar lindas! Você é magra, tem um corpo delicado, vão cair como uma luva. - A convicção da vendedora assustava, mas mesmo hesitante ela decide seguir ao provador.
Aquelas cores todas era diferente, a moça solta o cabelo de Rebeca que caem em leves ondas em seu rosto alvíssimo. Aquele reflexo não era o mesmo, o brilho dos olhos era diferente do que ela tinha visto logo pela manhã no espelho.
-Viu? Falei que iam ficar lindas! 
Rebeca ainda atônita para aquela imagem no espelho, sente algo novo emergir de dentro de si. O novo não era tão ruim como pensava.
-Obrigada. Posso saber seu nome?
-Claro. Sou a Débora  - Com um sorriso ela estende sua mão com dedos finos, Rebeca aperta delicadamente, era quente e macia sua pele.
-Vai levar as peças? 
-Vou sim. 
-Pode pagar no caixa e pegar sua compra. Obrigada e volte sempre que quiser. - Débora faz menção de partir para finalizar a compra. Ela não podia deixar tudo acabar assim. Então sem pensar segura em seus pulsos e a faz virar.
-Pois não. - Ela responde assustada mas sem perder a educação.
-É que... - Rebeca hesita. - Queria perguntar se você quer almoçar comigo, tem um restaurante japonês ótimo aqui perto, queria mais umas dicas de moda, você é boa nisso.
Mentira. Ela queria sua companhia, mas precisa de um bom pretexto.
-Claro, saio onze e meia. 
Rebeca segura o sorriso bobo querendo escapar dos seus lábios.
-Tudo bem, saindo do trabalho passo aqui.
-Combinado.
Então Débora se vira e segue em frente. Rebeca continua ali enraizada com as pernas bambas e o coração batendo forte, era tudo novo, era tudo diferente, era assustador. Mas ela estava gostando, ela caminhava mudando as direções de suas convicções e rotinas. Ela se sentia feliz. E isso bastava.


                                           Juliana Santiago


sexta-feira, 1 de março de 2013

Um presente inesperado



O chiado do ventilador retirava o silêncio crucificante daquele quarto gelado. Seus pequenos poros emancipavam um suor gélido, reflexo da sua ansiedade absoluta. Ela precisava esperar ele entrar por aquela porta. Não sabia o que falar muito menos como agir, sempre via isso com outras pessoas, mas nunca imaginava como seria se fosse com ela. O que fazer? Como agir? O que seus pais vão dizer? E seu futuro? Eram tantas perguntas sem respostas, e quanto mais ela pensava mais embrulho dava em seu estômago vazio.
-Toc,Toc.
A batida repercutiu na porta de madeira, ela senta em sua cama meio atordoada, sem coragem para levantar.
-Toc, Toc, Toc.
As batidas aumentaram de ritmo, mostrando a impaciência.
-Já vou.
Ela fala em engasgos, mas tentando controlar seu nível de tranquilidade. Suas mãos geladas giram lentamente a maçaneta da porta, ela abre devagar, a figura magra e alta personifica em sua frente, ela olha nos olhos de mel dele e o abraça fortemente como se aquele ato fosse a solução de seus problemas.
-Oi Lu. – Ele fala tocando em seus cabelos, e a envolvendo em seu abraço. – O que você tinha de tão importante que não poderia esperar até a noite?- Fez eu sair apressado da faculdade, você parecia ruim na ligação.
Ela engole seco. E agora como dizer aquilo para ele? Os dois eram extremamente  apaixonados, mas tinha um porém: Eram novos e sem muita experiência. O desespero era o mínimo a qual ela teria que enfrentar.
-Você me ama Mateus?
A palidez excessiva de sua pele o deixou preocupado.
-Sim minha princesa, te amo muito.
-A ponto de querer ter uma parte minha chata, enjoada, faladeira, ansiosa em miniatura?
Ela fala oscilante, ele ergue a sobrancelha atônito, sem entender muito bem aquela colocação. Sem hesitar, ela segura a mão dele aperta e vai colocando para perto da sua barriga. Ele toca, fica um minuto olhando em estátua, estagnado, em choque.
-Estou grávida.
Ele respira fundo, olha para ela que estava com os olhos cheios de lágrimas, olha para a barriga dela de novo, onde estava seu filho ou filha, parte deles dois, desenvolvendo a cada segundo, com o coração batendo, era como se ele pudesse imaginar, na verdade a vontade dele era poder ter logo aquela miniatura da mulher que amava em seus braços.
-Eu vou ser pai!
Ele esquenta aquele corpo gélido, miúdo e assustado em seus braços, o êxtase ainda passava em suas veias. Na veia dos dois. Agora institivamente ele passou a entender que tinha uma família, que não podia pensar individualmente, agora ele tinha a missão de dar o melhor, para os dois. Planos emergenciais passaram por sua cabeça, ele estava nervoso, ansioso, com medo. Mas quando ele a sentia ali em seus braços, ele sabia que enfrentariam tudo juntos, porque era um fruto deles, do sentimento deles, era filho deles. Deles.
-Obrigada amor, fiquei com tanto medo de você não me querer mais. – Ela diz ainda presa em seu abraço.
-Lu, eu estou com medo, mas eu sei que vamos ser bons pais, por que temos uma coisa que faz toda a diferença.
-O quê?
-Temos amor. E isso traz todo o resto. O respeito, a amizade, a intuição de um ajudar o outro, por isso nesses quatro anos, viemos aprendendo tanto um com o outro somos novos, não temos muito a oferecer, eu sei. Mas temos vontade de crescer e agora mais que nunca, um motivo maior de sermos os melhores. Pode não ter saído conforme o planejado, mas foi o erro mais perfeito que poderia ter acontecido.
E ali bem no meio daquele abraço tinha um ser tão pequeno, mas com uma vontade enorme de nascer, já se sentia bem-vindo(a) e com pais que tinham tudo para tirar ele ou ela daquele lugar quentinho, mas que resolveram assumir as consequências, de encarar como uma benção, porque mesmo não sendo conforme o planejado era uma benção, um milagre Deus.

Juliana Santiago