terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Memórias de um dia sem sol

A aquarela de cores que se infundiam no céu despertavam uma sensação de interesse e paz. Sentei-me naquela grama verde e resolvi ver aquela cena, o vento por entre as árvores beijavam minha face delicadamente, fechei meus olhos e de repente aquelas imagens borradas surgiram sem pedir permissão, como de costume nos últimos dias.
O mundo tinha se tornado diferente, como se meus olhos tivesse aberto, os detalhes não passavam despercebidos como outrora, uma vida tão corrida, presa aos afazeres diários o qual prendiam minha atenção e faziam escapar aquilo que realmente importava.
A manhã do dia 28 de Outubro de 2010 foi a data escolhida por Deus para mudar minha vida, a ideia de estar nos planos divinos deixava-me mais tranqüilo do que achar que Ele tinha virado as costas para mim. Ali estava eu na cadeira, ela segurava minha mão tão forte, aquelas mãos pequenas e alvíssimas, lembrava-me o meu tempo de menino ao qual era tudo tão límpido e fácil.
A boca do doutor mexia de forma lenta e cautelosa, as palavras iam se juntando na minha mente enquanto meu corpo e espírito tentavam absorver o diagnóstico, a pequena mão apertava cada vez mais forte, pequenas gotas de suor espalhavam-se nos meus poros, o ar da sala parecia rarefeito e as paredes iam se aproximando como seu de uma hora para a outra eu fosse entrar em um colapso.
-Teve metástase e infelizmente o tumor é maligno, iremos fazer a cirurgia, mas o câncer já está em um nível avançado e a cirurgia é arriscada, mesmo que seja retirada parte dos órgãos que foram afetados provavelmente só será para ganharmos tempo. Sinto muito Sr. Leandro.
Meu corpo estava ali, imóvel e absoluto. Na volta para casa Bianca não disse nada apenas chorava disfarçadamente enquanto dirigia, ela estava tentando ser forte por nós dois. E geralmente ela era, mas não dessa vez.
Eu estava em ascensão no meu trabalho, tinha a mulher que eu amava do meu lado, e considerava-me feliz. Depois da notícia todas as minhas certezas tinham caído por terra. Era para o mundo ter se tornado mais cinza, porém eu vi cores que nunca tinha visto.  Fiz coisas que jamais faria e vivi meus sentimentos intensamente. Bianca era o bem mais precioso que eu tinha, e aquele pequeno ser que crescia dentro dela era a minha continuação aqui na terra, eu costumava dizer que era a minha sementinha implantada para continuar a minha trajetória, sonhava com essa criança, fazia planos e agora não sabia nem se veria seu nascimento, as incertezas eram as únicas respostas que eu tinha.
Eu brincava com o vento aquela tarde, enquanto ele esvoaçava em meu rosto eu tentava escutá-lo, entender o que aquele pequeno barulho traduzia-se ao meu ouvido. Parecia uma canção sem nenhum significado aparente. A cada dia que passava era como uma vitória, um bônus do céu. A barriga de Bianca tornava-se cada vez maior, a vida nascendo dentro dela, a nossa vida, e a minha morrendo dentro de mim. A cirurgia tinha data, meu destino parecia estar marcado, mesmo com o tratamento eu sabia que minhas chances eram mínimas, era tudo uma questão de tempo. Eu sei que o destino do ser humano é a morte, a verdade é que ninguém nunca está preparado para enfrenta - lá.
Ela tinha a mesma covinha da mãe perto da boca quando sorria, os mesmo olhos brilhantes, mas tinha a minha boca e o meu sorriso, era o que Bianca me disse. Segurei nos meus braços aquele pequeno ser, o amor que eu já tinha pela pequena Clarisse não continha-se no meu peito, costumava ficar horas com ela embalando na cadeira de balanço e contando os planos que eu tinha para a nossa família, a maneira como eu amava a mãe dela, e como eu sonhava com a chegada dela, eu sabia que ela não entenderia então gravei um vídeo pois sabia que não levaria ela no primeiro dia de aula, ou dançaria a valsa dela nos 15 anos ou implicaria com seu primeiro namorado. E o meu coração apertava sempre que eu pensava em partir e deixar elas duas para trás.
Eu estava deitado ali naquela sala de cirurgia, meus olhos flertavam o teto, tantas coisas passavam em minha mente, principalmente aquilo que eu não tinha feito, as oportunidades que deixei para trás, o perdão que não tinha liberado por mágoas antigas, as pessoas que eu já tinha machucado e feito chorar. Eu tinha deixado tanta coisa passar e era tão tarde para reaver tudo isso.
Eu não senti nada, eu não vi nada, só lembro o claro perto de mim e a imagem da Bianca e da Clarisse, meus pais já falecidos, aquele céu colorido e a grama fofa e verde que passava debaixo do meu corpo, o barulho daquele vento, foram as imagens montadas em minhas mente naquele momento. Eu queria ter tido mais tempo, queria ter dito sobre meu amor, queria ter falado mais coisas para a Clarisse, deveria ter dado mais atenção para Bianca nos últimos anos, tanta coisa eu falhei. E de repente veio imagens vagas e distorcidas a voz estava ali, as lembranças ao qual eu tinha fortemente guardadas no meu subconsciente.
-Eu sempre vou te amar.
Olhei para os olhos dela, tão lindos, era como se eu conseguisse ver a alma dela refletida neles. Eu a queria para sempre em meus braços, era desesperador saber que eu teria que soltar de sua mão.
-Perdoe-me por ter errado tanto com você, por não ter dito todos os dias o quanto você é linda, por não ter comprado aquela casa que você tanto pediu, por já ter feito você chorar. Eu queria ter mais tempo com você, queria ter a minha vida inteira com você Bia.
Enquanto eu soluçava ela só acariciava meu rosto enquanto quietava meu coração afligido.
- Amor, você foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, você foi perfeito mesmo com tantos defeitos, porque você fez os meus sorrisos mais sinceros, me deixou viva e com um motivo para nunca desistir.
A voz dela se tornava fraca na minha mente, as imagens distorcidas, e o mundo distante. Eu sempre tive curiosidade de saber como era a morte, e no fim percebi que ela não é bonita, é assustadora porque vai te afastando das pessoas que você ama, te faz fazer falar adeus mesmo querendo ficar, te traz dor. Ela libertava aos poucos meu corpo doente, e de repente fazia tudo ficar fraco, frio e longe. Eu sabia que um dia iria morrer, mas eu nunca estive preparado para isso. Nunca estamos.
Juliana Santiago