Aqueles passos lentos e
tediosos eram conhecidos. Aquele olhar perdido, a barba mal feita, um desastre
social, porém tinha algo nele que era excepcional: a forma e a maneira cética e
diferente ao qual ele enxergava o mundo.
Ela era incrivelmente curiosa, questionadora e
quase um papagaio em pessoa. Sempre observando aquela criatura instigante, o
jeito que ele olhava as pessoas era diferente, não olhava corpo ou a roupa que
a pessoa estava usando, ele utilizava metódos não convencionais para determinar
aquilo ao qual achava importante, suas ferramentas preferidas eram o conhecimento
e suas percepções do mundo, como se tudo se distinguisse no saber. Tão simples.
Sem retalhos, inclinações ou formas pré-definidas de pessoas ideiais. Mas o que
seriam pessoas ideais?
Ela estava impecável, andava pelos corredores,
chamava atenção, talvez nas suas curvas, ou talvez nas roupas de marca, ou
outros apretechos superficiais, porém não era isso que ela procurava, era a
vizualização do que ela tinha a oferecer, por detrás daquilo tudo tinha um ser
crítico e pensante pronto para sair do casulo. Seus passos lentos se apresseram
ao passar ao lado dela, seu olhar minuncioso recobriu o rosto dela, mas dessa
vez olhou profundamente em seus olhos, era como se ele pudesse ler todo o seu
ser, e seus mais profundos mistérios tão facilmente.
Ela já tinha visto ele conversando com algumas
pessoas, exteriorizando tudo aquilo que passava sobre sua cabeça viajante. Um
dia então, a coragem serviu-a como em um banquete, e prontamente ela aproveita
a oportunidade.
-Oi. - ela fala ainda tímida, enquanto ele
levanta a cabeça do seu desenho, ao qual de começo eram apenas riscos abstratos
e sem sentido algum.
-Olá. – Ele fala sem fleuma.
-Posso me juntar a você? – ela pergunta
envergonhada.
-Claro. – seus olhos rápidos e cautelosos voltam
para seus riscos grossos.
O silêncio se faz presente por algum tempo.
-Qual seu nome?
-Pablo e o seu?
-Nossa! Igual o Pablo Picasso, agora entendi de
onde veio seu dom. – Ela fala com uma risada eufórica.
Um sorriso escapa dos lábios dele. Ela se sente
mais a vontade por ter quebrado o gelo.
- Júlia. Júia Sophia.
-Que lindo nome, qual a história?
-Engraçado, ninguem nunca tem curiosidade sobre
a história do nome de alguém, mas é minha mãe que sempre quis colocar o nome da
filha dela assim, Júlia derivado do nome dela e Sophia que diz sabedoria.
-Interessante. Interessante – Ele fala distante
como se tivesse meditando em algo.
- O que você está desenhando? – Ela pergunta
curiosa.
- O título desse desenho é a sombra da
realidade.
-Ham? – Ela exprime sem entender nada.
-Vou tentar explicar o que vejo, para que você
entanda com meu olhar.
-Certo.
-A nossa realidade se cruza com uma infinidade
de variáveis. Variavéis essas que nós mesmos estabelecemos, ou a vida estabelce.
Destinos não existem, o que acontece é o resultado daquilo que decidimos. Está
vendo esse embaralhado de traços pretos? São as sombras que recobrem cada um de
nós, tais sombras que se fazem presentes na nossas vidas e posteiores
resultados.
-Nossa que interessante.
- Ou seja, você é fruto das suas sombras, cabe a
você transformar em luz.
O sino toca repentinamente, a conversa leva
Sophia para um mundo surreal, ao qual ela tentava desvendar tais palavras, a
possível realidade ao qual ela acabara de ouvir, em um âmbito louco de fazer
parte daquilo. Os dias passaram, as conversas ficaram cada dia mais intensas, e
proveitosas, a maneira dela pensar e encarar o mundo mudou. Talvez porque ele
olhava justamente onde ela queria, no seu sorriso e seu olhar. Era diferente,
era único. Ela aprendera que nossa realidade é um conjunto de sombras, tais
sombras essas que podem ser luz, ou trevas dependendo daquilo que cada um toma
para si. Todos os dias, e em todos os momentos. Estranho mesmo é a forma à qual
ela enxergava o mundo. E a forma que mesmo de jeitos tão diferentes se completavam,
como um quebra cabeça irregular que no fim cada pedaço se molda perfeitamente,
peça a peça, encaixe a encaixe.
Juliana Santiago