terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Memórias de um dia sem sol

A aquarela de cores que se infundiam no céu despertavam uma sensação de interesse e paz. Sentei-me naquela grama verde e resolvi ver aquela cena, o vento por entre as árvores beijavam minha face delicadamente, fechei meus olhos e de repente aquelas imagens borradas surgiram sem pedir permissão, como de costume nos últimos dias.
O mundo tinha se tornado diferente, como se meus olhos tivesse aberto, os detalhes não passavam despercebidos como outrora, uma vida tão corrida, presa aos afazeres diários o qual prendiam minha atenção e faziam escapar aquilo que realmente importava.
A manhã do dia 28 de Outubro de 2010 foi a data escolhida por Deus para mudar minha vida, a ideia de estar nos planos divinos deixava-me mais tranqüilo do que achar que Ele tinha virado as costas para mim. Ali estava eu na cadeira, ela segurava minha mão tão forte, aquelas mãos pequenas e alvíssimas, lembrava-me o meu tempo de menino ao qual era tudo tão límpido e fácil.
A boca do doutor mexia de forma lenta e cautelosa, as palavras iam se juntando na minha mente enquanto meu corpo e espírito tentavam absorver o diagnóstico, a pequena mão apertava cada vez mais forte, pequenas gotas de suor espalhavam-se nos meus poros, o ar da sala parecia rarefeito e as paredes iam se aproximando como seu de uma hora para a outra eu fosse entrar em um colapso.
-Teve metástase e infelizmente o tumor é maligno, iremos fazer a cirurgia, mas o câncer já está em um nível avançado e a cirurgia é arriscada, mesmo que seja retirada parte dos órgãos que foram afetados provavelmente só será para ganharmos tempo. Sinto muito Sr. Leandro.
Meu corpo estava ali, imóvel e absoluto. Na volta para casa Bianca não disse nada apenas chorava disfarçadamente enquanto dirigia, ela estava tentando ser forte por nós dois. E geralmente ela era, mas não dessa vez.
Eu estava em ascensão no meu trabalho, tinha a mulher que eu amava do meu lado, e considerava-me feliz. Depois da notícia todas as minhas certezas tinham caído por terra. Era para o mundo ter se tornado mais cinza, porém eu vi cores que nunca tinha visto.  Fiz coisas que jamais faria e vivi meus sentimentos intensamente. Bianca era o bem mais precioso que eu tinha, e aquele pequeno ser que crescia dentro dela era a minha continuação aqui na terra, eu costumava dizer que era a minha sementinha implantada para continuar a minha trajetória, sonhava com essa criança, fazia planos e agora não sabia nem se veria seu nascimento, as incertezas eram as únicas respostas que eu tinha.
Eu brincava com o vento aquela tarde, enquanto ele esvoaçava em meu rosto eu tentava escutá-lo, entender o que aquele pequeno barulho traduzia-se ao meu ouvido. Parecia uma canção sem nenhum significado aparente. A cada dia que passava era como uma vitória, um bônus do céu. A barriga de Bianca tornava-se cada vez maior, a vida nascendo dentro dela, a nossa vida, e a minha morrendo dentro de mim. A cirurgia tinha data, meu destino parecia estar marcado, mesmo com o tratamento eu sabia que minhas chances eram mínimas, era tudo uma questão de tempo. Eu sei que o destino do ser humano é a morte, a verdade é que ninguém nunca está preparado para enfrenta - lá.
Ela tinha a mesma covinha da mãe perto da boca quando sorria, os mesmo olhos brilhantes, mas tinha a minha boca e o meu sorriso, era o que Bianca me disse. Segurei nos meus braços aquele pequeno ser, o amor que eu já tinha pela pequena Clarisse não continha-se no meu peito, costumava ficar horas com ela embalando na cadeira de balanço e contando os planos que eu tinha para a nossa família, a maneira como eu amava a mãe dela, e como eu sonhava com a chegada dela, eu sabia que ela não entenderia então gravei um vídeo pois sabia que não levaria ela no primeiro dia de aula, ou dançaria a valsa dela nos 15 anos ou implicaria com seu primeiro namorado. E o meu coração apertava sempre que eu pensava em partir e deixar elas duas para trás.
Eu estava deitado ali naquela sala de cirurgia, meus olhos flertavam o teto, tantas coisas passavam em minha mente, principalmente aquilo que eu não tinha feito, as oportunidades que deixei para trás, o perdão que não tinha liberado por mágoas antigas, as pessoas que eu já tinha machucado e feito chorar. Eu tinha deixado tanta coisa passar e era tão tarde para reaver tudo isso.
Eu não senti nada, eu não vi nada, só lembro o claro perto de mim e a imagem da Bianca e da Clarisse, meus pais já falecidos, aquele céu colorido e a grama fofa e verde que passava debaixo do meu corpo, o barulho daquele vento, foram as imagens montadas em minhas mente naquele momento. Eu queria ter tido mais tempo, queria ter dito sobre meu amor, queria ter falado mais coisas para a Clarisse, deveria ter dado mais atenção para Bianca nos últimos anos, tanta coisa eu falhei. E de repente veio imagens vagas e distorcidas a voz estava ali, as lembranças ao qual eu tinha fortemente guardadas no meu subconsciente.
-Eu sempre vou te amar.
Olhei para os olhos dela, tão lindos, era como se eu conseguisse ver a alma dela refletida neles. Eu a queria para sempre em meus braços, era desesperador saber que eu teria que soltar de sua mão.
-Perdoe-me por ter errado tanto com você, por não ter dito todos os dias o quanto você é linda, por não ter comprado aquela casa que você tanto pediu, por já ter feito você chorar. Eu queria ter mais tempo com você, queria ter a minha vida inteira com você Bia.
Enquanto eu soluçava ela só acariciava meu rosto enquanto quietava meu coração afligido.
- Amor, você foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, você foi perfeito mesmo com tantos defeitos, porque você fez os meus sorrisos mais sinceros, me deixou viva e com um motivo para nunca desistir.
A voz dela se tornava fraca na minha mente, as imagens distorcidas, e o mundo distante. Eu sempre tive curiosidade de saber como era a morte, e no fim percebi que ela não é bonita, é assustadora porque vai te afastando das pessoas que você ama, te faz fazer falar adeus mesmo querendo ficar, te traz dor. Ela libertava aos poucos meu corpo doente, e de repente fazia tudo ficar fraco, frio e longe. Eu sabia que um dia iria morrer, mas eu nunca estive preparado para isso. Nunca estamos.
Juliana Santiago




segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Sombras da realidade


Ela era incrivelmente curiosa, questionadora e quase um papagaio em pessoa. Sempre observando aquela criatura instigante, o jeito que ele olhava as pessoas era diferente, não olhava corpo ou a roupa que a pessoa estava usando, ele utilizava metódos não convencionais para determinar aquilo ao qual achava importante, suas ferramentas preferidas eram o conhecimento e suas percepções do mundo, como se tudo se distinguisse no saber. Tão simples. Sem retalhos, inclinações ou formas pré-definidas de pessoas ideiais. Mas o que seriam pessoas ideais?
Ela estava impecável, andava pelos corredores, chamava atenção, talvez nas suas curvas, ou talvez nas roupas de marca, ou outros apretechos superficiais, porém não era isso que ela procurava, era a vizualização do que ela tinha a oferecer, por detrás daquilo tudo tinha um ser crítico e pensante pronto para sair do casulo. Seus passos lentos se apresseram ao passar ao lado dela, seu olhar minuncioso recobriu o rosto dela, mas dessa vez olhou profundamente em seus olhos, era como se ele pudesse ler todo o seu ser, e seus mais profundos mistérios tão facilmente.
Ela já tinha visto ele conversando com algumas pessoas, exteriorizando tudo aquilo que passava sobre sua cabeça viajante. Um dia então, a coragem serviu-a como em um banquete, e prontamente ela aproveita a oportunidade.
-Oi. - ela fala ainda tímida, enquanto ele levanta a cabeça do seu desenho, ao qual de começo eram apenas riscos abstratos e sem sentido algum.
-Olá. – Ele fala sem fleuma.
-Posso me juntar a você? – ela pergunta envergonhada.
-Claro. – seus olhos rápidos e cautelosos voltam para seus riscos grossos.
O silêncio se faz presente por algum tempo.
-Qual seu nome?
-Pablo e o seu?
-Nossa! Igual o Pablo Picasso, agora entendi de onde veio seu dom. – Ela fala com uma risada eufórica.
Um sorriso escapa dos lábios dele. Ela se sente mais a vontade por ter quebrado o gelo.
- Júlia. Júia Sophia.
-Que lindo nome, qual a história?
-Engraçado, ninguem nunca tem curiosidade sobre a história do nome de alguém, mas é minha mãe que sempre quis colocar o nome da filha dela assim, Júlia derivado do nome dela e Sophia que diz sabedoria.
-Interessante. Interessante – Ele fala distante como se tivesse meditando em algo.
- O que você está desenhando? – Ela pergunta curiosa.
- O título desse desenho é a sombra da realidade.
-Ham? – Ela exprime sem entender nada.
-Vou tentar explicar o que vejo, para que você entanda com meu olhar.
-Certo.
-A nossa realidade se cruza com uma infinidade de variáveis. Variavéis essas que nós mesmos estabelecemos, ou a vida estabelce. Destinos não existem, o que acontece é o resultado daquilo que decidimos. Está vendo esse embaralhado de traços pretos? São as sombras que recobrem cada um de nós, tais sombras que se fazem presentes na nossas vidas e posteiores resultados.
-Nossa que interessante.
- Ou seja, você é fruto das suas sombras, cabe a você transformar em luz.
O sino toca repentinamente, a conversa leva Sophia para um mundo surreal, ao qual ela tentava desvendar tais palavras, a possível realidade ao qual ela acabara de ouvir, em um âmbito louco de fazer parte daquilo. Os dias passaram, as conversas ficaram cada dia mais intensas, e proveitosas, a maneira dela pensar e encarar o mundo mudou. Talvez porque ele olhava justamente onde ela queria, no seu sorriso e seu olhar. Era diferente, era único. Ela aprendera que nossa realidade é um conjunto de sombras, tais sombras essas que podem ser luz, ou trevas dependendo daquilo que cada um toma para si. Todos os dias, e em todos os momentos. Estranho mesmo é a forma à qual ela enxergava o mundo. E a forma que mesmo de jeitos tão diferentes se completavam, como um quebra cabeça irregular que no fim cada pedaço se molda perfeitamente, peça a peça, encaixe a encaixe.


Juliana Santiago

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Verás que um filho teu não foge a luta, Brasil!


Brasil, um país de raça, um país tropical, caloroso e animado. Um país que conseguiu alcançar a independência, teve seus períodos de ouro, brilhando como estrela mundial. Brasil, um país em que pessoas morreram na ditadura militar para que hoje pudéssemos gritar sem repressão, ainda que não seja assim que aconteça. Brasil, a terra do samba, do futebol e do carnaval. Mas até quando ser pisado, ser humilhado e ficar para trás do desenvolvimento mundial? E o povo acordou, entramos em um marco da história, em que as futuras gerações terão orgulho desse grito, o pedido sobre o direito dos cidadãos. Século XXI e a nação despertou do sono profundo marcado pela vulgaridade, descaso e ociosidade. Eu sou brasileira, com muito orgulho e com muito amor, e hoje ainda mais. Por que nossa gente é lutadora e persistente e está mostrando e relembrando nossas conquistas do passado e semeando a glória do amanhã. Não quero mais que nosso país só seja lembrado por bola, músicas vulgares e mulheres de curvas. Quero que seja visto, como um país de respeito, um país que as pessoas tem poder de voz, que a educação, saúde e a humanidade seja colocada em primeiro lugar. Realmente, um filho teu não foge a luta Brasil, e iremos até o fim!

terça-feira, 26 de março de 2013

Novo. Seja bem-vindo! Parte Final




Ansiedade. Nervosismo. Medo e constantes palpitações no peito, o relógio parecia estar parado, era torturante o tempo se arrastar em uma lentidão quase descrente. Suas mãos gélidas transpiravam com facilidade, ela limpava constantemente o suor em seu jeans surrado. Rebeca esperava no shopping perto da loja que Debora trabalhava, tinha faltado aula, o medo de atrasar ou não chegar a tempo levou a preferir um livro na cara e fones de ouvido no banco mais esquecido do grande império de lojas.
Finalmente chegara a hora de ela ir até Debora. Ela não entendia o porquê desse desespero todo, o porquê dessa pressa, ela precisava saber o que estava acontecendo.
Ela se aproxima da loja, e ao entrar Debora estava de costas e não percebeu sua presença, aquela garota frágil, miúda e perfeita. Com a pele alva e cabelos cor de mel que caiam em ondas perfeitas como um mar contido por leves brisas.
-Oi. –Rebeca balbucia tímida.
-Oi linda. – Debora pronuncia exultante e graciosa.
Linda. Estranho, ela sempre se achou um desastre em vida, mas perto dela, parecia que o melhor da sua alma vinha à tona.
-Estava fechando meu horário, vou pegar meu casaco.
-Tudo bem. Eu espero.
Enquanto Debora se retirava, Rebeca tinha um conflito interno violento e desastroso, seus poros dilataram a tal ponto que pareciam bicas de transpiração, passar a mão na sua calça estava mais constante, seu peito arfava, e o seu pulsar aumentava.
-Prontinho. – Debora volta vestida em seu casaco xadrez.
-Então vamos!
-E então como foi o dia? – Debora pergunta quebrando o gelo.
-Ah. Nada de muito surpreendente. E o seu?
Falar de sua ansiedade extrema e de sua neura de olhar para o relógio a cada cinco minutos não era uma boa ideia.
-A loja hoje foi tranquila, estava para dormir encostada na parede.
Um sorriso lindo escapa de seus pequenos lábios, Rebeca desvia o olhar da boca dela.
-Você quer mesmo comer no restaurante? – Debora para de repente e olha sugestiva para Rebeca.
-Por mim tanto faz, tem algo em mente?
Debora balança a cabeça positivamente, morde os lábios com um jeito sapeca, segura suas mãos e a conduz para outro lugar. Depois de quinze minutos de passeio, falatórios e risos, Rebeca parecia diferente. Não, era a mesma, só estava tirando tudo que esteve ali guardado por tanto tempo, e isso era ótimo, nunca se sentiu tão bem.
-Dois cachorros quentes. Pode caprichar na mostarda. – Debora pediu o almoço de ambas em uma barraca no parque perto de seu trabalho, ambas sentaram embaixo de uma frondosa árvore e começaram a mastigar o delicioso quitute.
-Nossa! Quanto tempo eu não fazia isso. – Debora sorri satisfeita, estica suas pernas e olha para as árvores balançando. Rebeca apenas a observa, seus traços delicados e graciosos pareciam um desenho perfeito, era como se ela precisasse protegê-la, estar sempre por perto para garantir que aquele sorriso estivesse ali, sempre.
-Por que você quis vir aqui? – Rebeca quebra o gelo.
-Ah, não sei. Só queria algo diferente.
-Eu sempre fugi do diferente, mas em um dia tudo que eu pensava de concreto, se desmanchou e eu me sinto mais viva do que nunca. Obrigada.
-Não precisa agradecer, acho que temos que aproveitara oportunidade de viver todos os dias da melhor maneira possível e é isso que eu tento fazer.
Debora retira os olhos das folhas que balançavam com o vento e sorri para Rebeca. E com um gesto, ela estava desarmada.
Ela nunca tinha se sentido assim, aqueles olhos pareciam seu lar, o lar que ela sempre procurou e achou que nunca encontraria. Como que isso poderia acontecer? Era normal? Normal, nunca foi um adjetivo que ela poderia se enquadrar, mas o normal nunca a atraiu e isso a felicitava. Os conflitos passavam em questões de segundos, enquanto seu coração palpitava forte e suas mãos suavam ainda mais.
Debora estava distraída demais com as pessoas passando, com a paisagem ao redor que nem percebeu a tortura de Rebeca. Debora se inclina para ela, tira os grampos do cabelo de Rebeca, e seus cabelos pretos caem sobre sua face, retira seus óculos e olha para seus olhos.
-Você é tão linda. Por que se esconde tanto?
-Por que às vezes ser invisível é mais fácil. Sem incômodos, sem cobranças desnecessárias da sociedade.
-Entendo. Mas se esconder não é um caminho tão fácil como você diz às vezes ser notada também é bom, deixar que o mundo a veja, e que você veja o mundo. Quantas coisas você já perdeu olhando para o chão enquanto poderia olhar para frente, quantos sorrisos deixaram de ser direcionados a você pela máscara a qual você mesma colocou?
Rebeca se cala, e abaixa seus olhos, ela nunca tinha pensado por esse ângulo. Debora levanta sua cabeça levemente com a ponta dos seus dedos.
-É assim que você deve encarar o mundo. Não tenha medo dele, e ele terá medo de você. Medo da mulher ousada e decidida que vai encarar. Você é linda, não precisa se esconder.
Rebeca olha para Debora, e mergulha naqueles olhos dançantes, nunca ninguém tinha tocado tão fundo de sua alma.
-Você é mais.
Ela se aproxima lentamente encarando-a, segura delicadamente por trás da nuca de Debora e toca seus lábios junto ao dela, os movimentos fluem e se comportam perfeitamente, seu hálito quente e doce desperta novas sensações, desperta o êxito. O beijo delicado se torna intenso, quente e perfeito.
Elas se encaram um pouco assustadas, nervosas e desconcertadas. Debora olha para baixo sem saber o que falar, mas nada precisa ser dito, não tinha o que ser dito.
-Desculpas. – Rebeca balbucia envergonhada. Ela pedia desculpas como forma de educação, mas não se arrependeu nem um pouco do que havia feito.
-Tudo bem, é que eu nunca tinha feito isso. Na verdade, é errado, certo?
-Se sentir viva, feliz e completa for errado. Então esse beijo foi o pior erro do mundo. Erro esse que repetiria quantas vezes fosse necessário.
Debora sorri.
-Você é muito boba. Eu não sei o quer falar, eu nunca fiz isso, não é certo, eu...
Rebeca a interrompe e a beija novamente, aquele toque era único, a completava de uma maneira inexplicável. O novo era bem vindo, o novo a fazia bem, ainda que esse novo fosse o diferente, o pecado visto pela metade da sociedade, mas naquele dia ela aprendera que a felicidade dela era a prioridade, durante muito tempo ela deixou que o medo a privasse de viver. Até o momento que seu lar apareceu, aqueles braços miúdos, graciosos e quentes. Os quais ela não queria deixar. Nunca mais.

Juliana Santiago

segunda-feira, 18 de março de 2013

Novo. Seja bem-vindo! - Parte I





A rotina era a mesma, era simples e rápida de ser seguida. Acordava, olhava no espelho os cabelos desgrenhados, a cara de sono, escovava os dentes passava três minutos para ter coragem de entrar debaixo daquela água gelada (era o jeito mais torturante e eficiente de acordar), penteava os cabelos em um coque simples, procurava a roupa mais confortável, quase sempre usava as mesmas, tomava um café expresso no caminho para o metro, tirava seu livro, colocava os fones do ouvido e pronto, o mundo inteiro parava, era só ela. Ela nunca foi de gostar de multidões, era medrosa, tinha muitos desejos reprimidos, sempre achava-se inferior e por isso nem tentava novos caminhos, novas atitudes, a rotina era mais fácil, o novo assustava.
Alguém senta ao seu lado, era bonita, tinha aquele cheirinho de shampoo que ela adorava, se escondeu ainda mais por detrás dos seus óculos, se possível tamparia todo seu rosto. 
-Sabe informar o horário? - uma voz melódica e agradável ressurgiu ao seu lado.
Sem fazer movimentos bruscos, ela tira o celular de dentro do bolso e visualiza o pedido.
-São 07:20.
-Obrigada! - ela estende um sorriso satisfatório.
"Que sorriso perfeito", ela pensa consigo mesma.
Um roteiro passa em sua mente de como conhece-la, ela precisava, mas era muito covarde para tentar algo diferente.
O metro para a moça levanta, a parada de Rebeca seria na próxima, mas e se o novo fosse bom? Ela levanta e sem pensar desce junto com aquela garota, com passos lentos, errantes e suaves. Ela parecia atrasada por isso não percebeu sua admiradora, seguindo-a.
Entra em uma loja de roupas, parecia ser seu trabalho, Rebeca observa de longe, analisa e pensa se estava agindo correto, mas dessa vez era diferente. Mesmo com medo ela decidiu arriscar. Entra na porta da loja e finge estar vendo umas roupas, bonitas no cabide mas que no seu corpo, deduzia ela, seria um estrago.
Depois de um certo tempo a garota a reconhece e se dirige a ela.
-Oi. 
-Oi. -Rebeca pronuncia balbuciando e com as mãos suando.
-Você não é a garota do metrô?
-Sim, sou eu.
-Esta atrás de roupas?
-Sim.
-Deixe-me ajuda-lá.
A moça foi procurando peças bonitas e coloridas, o extremo oposto do cinza apagado que  costumava vestir.
-Toma, experimenta, vão ficar lindas! Você é magra, tem um corpo delicado, vão cair como uma luva. - A convicção da vendedora assustava, mas mesmo hesitante ela decide seguir ao provador.
Aquelas cores todas era diferente, a moça solta o cabelo de Rebeca que caem em leves ondas em seu rosto alvíssimo. Aquele reflexo não era o mesmo, o brilho dos olhos era diferente do que ela tinha visto logo pela manhã no espelho.
-Viu? Falei que iam ficar lindas! 
Rebeca ainda atônita para aquela imagem no espelho, sente algo novo emergir de dentro de si. O novo não era tão ruim como pensava.
-Obrigada. Posso saber seu nome?
-Claro. Sou a Débora  - Com um sorriso ela estende sua mão com dedos finos, Rebeca aperta delicadamente, era quente e macia sua pele.
-Vai levar as peças? 
-Vou sim. 
-Pode pagar no caixa e pegar sua compra. Obrigada e volte sempre que quiser. - Débora faz menção de partir para finalizar a compra. Ela não podia deixar tudo acabar assim. Então sem pensar segura em seus pulsos e a faz virar.
-Pois não. - Ela responde assustada mas sem perder a educação.
-É que... - Rebeca hesita. - Queria perguntar se você quer almoçar comigo, tem um restaurante japonês ótimo aqui perto, queria mais umas dicas de moda, você é boa nisso.
Mentira. Ela queria sua companhia, mas precisa de um bom pretexto.
-Claro, saio onze e meia. 
Rebeca segura o sorriso bobo querendo escapar dos seus lábios.
-Tudo bem, saindo do trabalho passo aqui.
-Combinado.
Então Débora se vira e segue em frente. Rebeca continua ali enraizada com as pernas bambas e o coração batendo forte, era tudo novo, era tudo diferente, era assustador. Mas ela estava gostando, ela caminhava mudando as direções de suas convicções e rotinas. Ela se sentia feliz. E isso bastava.


                                           Juliana Santiago


sexta-feira, 1 de março de 2013

Um presente inesperado



O chiado do ventilador retirava o silêncio crucificante daquele quarto gelado. Seus pequenos poros emancipavam um suor gélido, reflexo da sua ansiedade absoluta. Ela precisava esperar ele entrar por aquela porta. Não sabia o que falar muito menos como agir, sempre via isso com outras pessoas, mas nunca imaginava como seria se fosse com ela. O que fazer? Como agir? O que seus pais vão dizer? E seu futuro? Eram tantas perguntas sem respostas, e quanto mais ela pensava mais embrulho dava em seu estômago vazio.
-Toc,Toc.
A batida repercutiu na porta de madeira, ela senta em sua cama meio atordoada, sem coragem para levantar.
-Toc, Toc, Toc.
As batidas aumentaram de ritmo, mostrando a impaciência.
-Já vou.
Ela fala em engasgos, mas tentando controlar seu nível de tranquilidade. Suas mãos geladas giram lentamente a maçaneta da porta, ela abre devagar, a figura magra e alta personifica em sua frente, ela olha nos olhos de mel dele e o abraça fortemente como se aquele ato fosse a solução de seus problemas.
-Oi Lu. – Ele fala tocando em seus cabelos, e a envolvendo em seu abraço. – O que você tinha de tão importante que não poderia esperar até a noite?- Fez eu sair apressado da faculdade, você parecia ruim na ligação.
Ela engole seco. E agora como dizer aquilo para ele? Os dois eram extremamente  apaixonados, mas tinha um porém: Eram novos e sem muita experiência. O desespero era o mínimo a qual ela teria que enfrentar.
-Você me ama Mateus?
A palidez excessiva de sua pele o deixou preocupado.
-Sim minha princesa, te amo muito.
-A ponto de querer ter uma parte minha chata, enjoada, faladeira, ansiosa em miniatura?
Ela fala oscilante, ele ergue a sobrancelha atônito, sem entender muito bem aquela colocação. Sem hesitar, ela segura a mão dele aperta e vai colocando para perto da sua barriga. Ele toca, fica um minuto olhando em estátua, estagnado, em choque.
-Estou grávida.
Ele respira fundo, olha para ela que estava com os olhos cheios de lágrimas, olha para a barriga dela de novo, onde estava seu filho ou filha, parte deles dois, desenvolvendo a cada segundo, com o coração batendo, era como se ele pudesse imaginar, na verdade a vontade dele era poder ter logo aquela miniatura da mulher que amava em seus braços.
-Eu vou ser pai!
Ele esquenta aquele corpo gélido, miúdo e assustado em seus braços, o êxtase ainda passava em suas veias. Na veia dos dois. Agora institivamente ele passou a entender que tinha uma família, que não podia pensar individualmente, agora ele tinha a missão de dar o melhor, para os dois. Planos emergenciais passaram por sua cabeça, ele estava nervoso, ansioso, com medo. Mas quando ele a sentia ali em seus braços, ele sabia que enfrentariam tudo juntos, porque era um fruto deles, do sentimento deles, era filho deles. Deles.
-Obrigada amor, fiquei com tanto medo de você não me querer mais. – Ela diz ainda presa em seu abraço.
-Lu, eu estou com medo, mas eu sei que vamos ser bons pais, por que temos uma coisa que faz toda a diferença.
-O quê?
-Temos amor. E isso traz todo o resto. O respeito, a amizade, a intuição de um ajudar o outro, por isso nesses quatro anos, viemos aprendendo tanto um com o outro somos novos, não temos muito a oferecer, eu sei. Mas temos vontade de crescer e agora mais que nunca, um motivo maior de sermos os melhores. Pode não ter saído conforme o planejado, mas foi o erro mais perfeito que poderia ter acontecido.
E ali bem no meio daquele abraço tinha um ser tão pequeno, mas com uma vontade enorme de nascer, já se sentia bem-vindo(a) e com pais que tinham tudo para tirar ele ou ela daquele lugar quentinho, mas que resolveram assumir as consequências, de encarar como uma benção, porque mesmo não sendo conforme o planejado era uma benção, um milagre Deus.

Juliana Santiago

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Colando um coração


          

Aquele espaço lindo, quentinho, especial que você deixa reservado para a pessoa que você imagina ou visualiza que seja o seu grande amor, a pessoa cuja presença será o complemento da sua alma, a solução de seus maus humores eternos, o dono dos seus sorrisos mais lindos, seus abraços mais sinceros, suas emoções mais lindas, suas memórias mais intensas, as fotos mais perfeitas, enfim tudo aquilo que te envolve na felicidade completada por alguém. Então esse mesmo espaço, o mais exclusivo que você tem, é entregue a alguém que simplesmente o destrói, faz uma bagunça e parte, deixando você ali para limpar a algazarra. Depois de tudo arrumado, por mais que você tente, não fica igual como era, fica mais difícil de entrar, os requisitos ficam mais sórdidos, são construídos em meio as lágrimas, as dores uma fortaleza quase impenetrável, então você aprende a ser mais forte, a não entregar para qualquer pessoa, mas mesmo com tudo isso, uma vez ou outra ainda se quebra a cara, mas agora, a dor é menos torturante, porque um dia se aprendeu que caí mais se levanta, que chora mais se recompõe e que nesse caso, deixar acontecer  e torcer para que não erre na próxima é o melhor a ser feito.
                                                                                              Juliana Santiago